segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Devaneio

Mas, sabe,
quando a canção implora pela minha voz,
eu a canto outra.
Aquela que se encontra ao te ver ressonar
e aquela que te encontra sem você estar.
Pelo lado de fora dos vitrais,
são outras as cores,
mais obscuras as fantasias,
originadas todas através da luz da tarde
que deita sobre ti.
E eu me esforço pra não jogar fora a face do cansaço...
...como ouso te escrever? como ouso te amar...
Mas, sabe, quando?...
a sensação de poder atravessar os mares
só pra poder te ver...quando?...
a impressão de planar sem mexer um dedo e,
no pouso, ver somente a tua mão a me acenar.
Tarde. A tarde já tarda o adeus.
Outra, a visão já não me espera em meu olhar.

Valéria Diniz

sábado, 13 de setembro de 2008

Medo

Das intensidades tenho medo.
Dos sabores, dos odores, dos perfumes,
dos tremores do horizonte.
Respeito tudo.

Das intensidades tenho medo.
Dos desejos de te ver,
das vastas planícies do teu ser,
dos sonoros suspiros teus.
Respeito a esmo.

Das intensidades tenho medo.
Das quantidades de vezes em que te quis,
das qualidades das vezes em que te quis,
das todas idades de lembrar.
Tenho medo.

Váléria Diniz

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Seiva Bruta

Incomoda saber o passado não passado.
Verifico um aumento, um acúmulo de tristeza.
Me incomodo.
Precisei todo o dia sobrevoar passageiramente aquela esquina.
Levar comigo, no meio daquele livro, uma folha viva,
oliva-verde-seiva-bruta.
Qual era a cor do teu vulto?
Qual perfume em tua melodia?
Desci a rua, lentos passos,
melancólicos passos,
incômodos sapatos.
A noite crescia negra toda breu.
Sem lua. Céu fechado. Olhos cerrados?
Passavam ônibus,
mas nenhum podia me levar.
Passageira sem rumo,
não sei a distância, o caminho,
a velocidade, o destino,
o quanto falta pra chegar.
O quanto falta...
Falta você.
Falta teu vulto apagar sem retorno.
Falta o teu corpo voltar a ver.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

O Meu Carnaval

Vou fantasiar-me de inverno neste carnaval. Tons pastéis e escuros. Beges, pretos e cinzas. Mas, em meu rosto, a purpurina prateada brilhará em homenagem à felicidade que os meus passos dançados irão me dar.
Vou gelar tua vontade de me ver chorar. Vou extirpar o orgulho da tua fala e fazer desabar toda tua certeza e teu tolo poder. Sua fantasia de querer prever amarguras será totalmente colocada de lado, estraçalhada. Em todos os quesitos eu serei nota dez. E você, vai, te dou sete e meio, já que ainda te quero.
Vou te convidar pra escutar o meu samba e quero ouvir teus palpites. Mas, por favor, sem invejas, vamos dar uma trégua em nosso cabo-de-guerra...quero ver se você vai agüentar sair sambando comigo na avenida. Podem nos ver, podem nos julgar.
Se você topar, eu te levo. Se você quiser, eu te quero bem demais.

Valéria Diniz

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Eu tô longe
E tão perto
Você me avista
E não me enxerga
Me ouve
E não me escuta
Se aproxima
E vai embora
Me procura
E não me encontra
E eu aqui espero
Até quando?
Até quando quebrar a campainha
Até quando soar o apito final do juiz
Até quando esfriar o café
E o milho não mais estourar
Até quando o cigarro acabar
Até quando a Terra encobrir a Lua mais uma vez
Até quando?
Até quando os todos e os tantos quandos da vida
Quem sabe?

Valéria Diniz

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Buraco Negro

Cheguei a pensar
Sobre você - nada.
Cheguei a viver
Por você - nunca.
Cheguei a sofrer
Por amor - jamais.
Cheguei a amar ninguém.

Não estive viva.
Anos desacordada.
Não sei o que era de mim.
De mim não podia nem falar.

Cheguei a escrever
Sobre você - pouco.
Cheguei a realizar
Com você - o quê?
Cheguei a rezar
Pra nós - quando?
Cheguei a amar ninguém.

Valéria Diniz

Por Mim

Pelo que penso meu minuto é agora
Pelo que sinto minha hora é inteira
Pelo que sou é esta a vida minha

E se te conto é porque o momento é outro
E se te lembro é porque o amor é muito
E se te calo é por ter cansada espera

Quando te vi minha alma era encontro
Quando te toquei meu todo era encanto
Quando te disse adeus tudo só foi pranto

Pensa você que foi dona minha
Pensa você que foi louca à toa
Pensa você que tudo vale à pena
(Como diria Efe Pê)

Vê se te enxerga
Vê se te acresce
Vê se não me diz
Com que roupa devo ir

Pra te ver
Eu vou mesmo assim
Eu vou mesmo eu mesma
Sou o teu constraste
E a que te quer

Valéria Diniz

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Intervalo Doloroso

"Tudo me cansa, mesmo o que me não cansa. A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor.
Quem me dera ser uma criança pondo barcos de papel num tanque de quinta, com um dossel rústico (1) de entrelaçamentos de parreira pondo xadrezes de luz e sombra verde nos reflexos sombrios da pouca água.
Entre mim e a vida há um vidro ténue. Por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não lhe posso tocar.
Raciocinar a minha tristeza? Para quê, se o raciocínio é um esforço? e quem é triste não pode esforçar-se.
Nem mesmo abdico daqueles gestos banais da vida de que eu tanto quereria abdicar. Abdicar é um esforço, e eu não possuo o de alma com que esforçar-me.
Quantas vezes me punge o não ser o manobrante daquele carro, o cocheiro daquele trem! qualquer banal Outro suposto cuja vida, por não ser minha, deliciosamente se me penetra [?] de eu querê-la e se me penetra até de alheia!
Eu não teria o horror á vida como a uma Coisa. A noção da vida como um Todo não me esmagaria os ombros do pensamento.
Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda-chuva contra um raio.
Sou tão inerte, tão pobrezinho, tão falho de gestos e de actos.
Por mais que por mim me embrenhe, todos os atalhos do meu sonho vão dar a clareiras de angústia.
Mesmo eu, o que sonha tanto, tenho intervalos em que o sonho me foge. então as coisas aparecem-me nítidas. Esvai-se a névoa de que me cerco. E todas as arestas visíveis ferem a carne da minha alma. Todas as durezas olhadas me magoam o conhecê-las (2) durezas. Todos os pesos visíveis de objectos me pesam por a alma dentro.
A minha vida é como se me batessem com ela."

Bernardo Soares
(heterônimo de Fernando Pessoa)
(1) com um céu próximo
[?] leitura conjectural do escrito
(2) magoam o que em mim as conhece

Vitrais

Mas, sabe, quando a canção implora pela minha voz, eu a canto outra.
Aquela que se encontra ao lhe ver ressonar e aquela que lhe encontra sem você estar.
Pelo lado de fora dos vitrais, são outras as cores, mais obscuras as fantasias originadas todas através da luz da tarde que se deita sobre você.
E eu me esforço pra não jogar fora a do cansaço...como posso lhe escrever? como ouso amar você?
Mas, sabe, quando?...a sensação de poder atravessar os mares só pra poder lhe ver...quando?...a impressão de planar sem mexer um dedo e, no pouso, ver somente a sua mão a me acenar...
Tarde, a tarde já tarda o adeus.
Outra, a visão já não me espera em meu olhar.

Valéria Diniz

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Pra Começo de Conversa

Já penso que a vida não abriga mesmo certezas. Mas sei que converso, provocando ecos disformes, quando me encontro em plena solidão física.
Não espero escutar respostas nem ter visões. Preciso apenas de um canto, uma idéia, um estímulo que me faça sentir a inexistência do "por acaso"e do "sem razão".
É hora de reverter o processo de destruição - esses planos diabólicos que faço e experimento feito cobaia - , de indagar sobre tudo (tudo inadjetivado), de descobrir intimamente o que torna a realidade - deusa que me faz beata - menos insana. (A existência e a possibilidade da loucura incomodam-me neste momento.)
Que culpa tenho (que ingênua sou!) se me acostumei ao meu ser, se aprendi a moldar-me nele, se sinto a voz ausente e a mente atordoada no meio da multidão?
Que culpa tenho (tolices, tolices) - e mostre-me um mal - em ser pensativa, parecer longínqua, nunca estar onde deveria estar, nem fazer o que deveria fazer? (Agora, por exemplo, esqueci-me por que estou aqui sentada a rever borrões...Será que existe outro lugar chamado Terra e nasci justo no falso?
O fato é que não pude ser este ninguém que não pôde ouvir-se e falar-se. Verdade é que possuo um nome apenas e incontáveis e perdidas por aí identidades que podem, a qualquer hora, em qualquer situação, desafiar os próprios pontos finais e mentir, sabendo ser tudo mentira, só para ter menos tempo para viver o que são realmente?
Posso invocar-me e a qualquer frase, da mais primitiva à mais rebuscada, com ares fantasiosos de precisões que nunca alcancei cutaneamente nem cardiacamente quanto mais mentalmente. Como então transformei-as em coisas visíveis, palpáveis e legíveis?
Estou cansada de substituir-me por palavras. Irrita-me esta mania dicionarística, esses dedos folheadores, esses tubinhos de tinta que escrevem (esses pensamentos, esses pensamentos meus...)
Queria, certamente, saber passar os dias longe disso tudo; conhecer algum ato destrutivo que me garantisse algum tipo de fim.
Acovardei-me intensamente. Cada vez mais me penetro, cada vez mais sinto loucura por livros, relógios, espelhos e muros e pavor da vida que há atrás deles, dos símbolos, das ordens prévia e mentalmente ordenadas.
Sei falar assim: calada, sozinha, papéis a rodear, afastada de tudo que é vivo, biologicamente escrevendo.
O que não posso fazer, por ausência de lógica, é apresentar causas, conclusões. Mas, devo acrescentar minha vontade de retroceder e aprender, como uma criança, o beabá inicial de uma Língua a princípio dominada sonoramente. E ficar a ouvi-la por mim cantada.

Valéria Diniz

Distanciando

Eu me vi na árvore
Rotulando o espaço
Eu me vi na copa
Berço feito de espadas
Me afasto do centro
Da abóbada do céu
Refuto as estrelas
Recorro aos estreitos
Caminhos do além
Tempos que criei

Valéria Diniz

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Idade Média: heresias?

"Et ego in illo, disse o padre Bartolomeu Lourenço dentro da abegoaria, pregoava assim o tema do sermão, mas hoje não procurava os efeitos a voz, os trémulos rolados que comoveriam os ouvinte, a instância das injunções, a suspensão insinuante. Dizia as palavras que escrevera, outras que de improviso lhe surgiram agora, e estas negavam aquelas, ou duvidavam-nas, ou faziam-nas exprimir sentidos diferentes, Et ego in illo, sim, eu estou nele, eu Deus, nele homem, em mim, que sou homem, estás tu, que Deus és, Deus cabe dentro do homem, mas como pode Deus caber no homem se é imenso Deus e o homem tão pequena parte das suas criaturas, a resposta é que fica Deus no homem pelo sacramento, claro está, claríssimo é, mas, ficando no homem pelo sacramento, é preciso que o homem o tome, e assim Deus não fica no homem quando quer, mas quando o homem o deseja tomar tomar, posto o que será dito que de alguma maneira o criador se fez criatura do homem, ah, mas então grande foi a injustiça que se cometeu com Adão, dentro de quem Deus não morou porque ainda não havia sacramento, e Adão bem poderá arguir contra Deus que, por um só pecado, lhe proibiu para sempre a á e lhe fechou para sempre as portas do paraíso, ao passo que os descendentes do mesmo Adão, com tantos outros e mais terríveis pecados, têm Deus em si e comem da árvore da Vida sem nenhuma dúvida ou impedimento, se a Adão castigaram por querer assemelhar-se a Deus, como têm agora os homens a Deus dentro de si e não são castigados, ou o não querem receber e castigados não são, que ter ou não querer terDeus dentro de si é o mesmo absurdo, a mesma impossibilidade, e contudo Et ego in ill, Deus está em mim, ou em mim não está Deus, como poderei achar-me nessa floresta de sim e não, de não que é sim, do sim que é não, afinidades contrárias, contrariedades afins, como atravessarei salvo sobre o fio da navalha, ora, resumindo agora, antes de Cristo se ter feito homem, Deus estava fora do homem, e não podia estar nele, depois, pelo sacramento, passou a estar nele, assim o homem é quase Deus, ou será afinal o próprio Deus, sim, sim, se em mim está Deus, eu sou Deus, sou-o de modo não trino ou quádruplo, mas uno, uno com Deus, Deus nós, ele eu, eu ele."

in, "Memorial do Convento", de José Saramago, 1982

A Busca

Para onde foi parar meu bando?
Amar, trabalhar e afins?
Para onde para quando?
Para e quando refinar seus nãos e sins?

Pára, para, devagar,
minha mente não escorrer assim,
feito cachoeira a escorregar na imensidão.
Não mergulharei sozinha.
Para que correr o risco de me machucar agora?

Mas aonde enconrarei meu bando?
Será que não encontrarei mais?
Será que não mais voltará?
Será que não verei mais?
Nem prosseguir e procurar?

Vou devagar,
pára, para, em algumas trilhas
imaginar meu bando estar

Meus sapatos já não suportam
tanta escalada para adentrar.
Precisei jogá-los fora
e meus pés ficaram nus.
Quão difícil estar a caminhar!

Pára, para, devagar,
eu não temer mais não poder agüentar.
Tantas pedras molhadas,
escorregões, picadas,
nenhuma grama fofa para pisar,
deitar e descansar.

Mas preciso achar meu bando!
Para com ele não abandonar minha vida,
para tentar entender seus planos.
Ensinem-me a uma bússola usar!

Medo maior é escorregar.
Por enquanto, até não sei quando,
com meu bando preciso ficar.

Valéria Diniz

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Recordes

Olimpíadas: objetivo: quebrar recordes.
Há milênios, quebram-se recordes. O homem vangloria-se e é glorificado.Visto como Único.
Importa a ultrapassagem daqueles que já o foram. Esta, a meta. O que move corpos, desejos, sonhos. Treinos intensos, vários deles, sem conta, com ou sem dor. Mais, mais, mais, mais...
Chegará um dia em que os recordes não poderão mais serem quebrados? Se o tempo deles diminui a cada ano, fazendo do homem campeão e único, onde, como e quando o tempo não mais permitirá ser ultrapassado pelo homem? Ficarão eles igualados? Insistirão em treinar e treinar, duvidando do poder do Tempo? Desistirão de encarar sua imponência, aceitando os próprios limites? Quem ganhará tal duelo: o homem ou o Tempo por ele criado?
(E tal criação, para glória e poder do homem, poderá ser por ele modificada?)

Valéria Diniz

Vilões

De todos os tipos de personagens,
os vilões são os melhores.
Mais autênticos, mais sinceros.
Não ocultam o que, tortuosamente,
tentamos esconder sobre nós mesmos.

Valéria Diniz

Ambigüidade da Culpa

Se culpa há,
quem a possui?
O culpado e/ou o inocente
que não o perdoa?

Valéria Diniz

Aspirador de Pó

Transmissão de Pensamento?
Como vai seu aspirador?
Aspirando ou expirando?
beijo,
Valéria

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Poema Sem Fim

Porque o céu e o mar
meus olhos vêem
sem perceber o que os azuis contém
quando desmancha um
e o outro, quem?
escorre para onde,
como além?
Porque a flor é só
desabrochar, pra receber
o orvalho perfumar
Porque passa o rio
à margem, vai
a embalar sem pressa de chegar
Porque existe o fim
como convém
pra nunca mais
pro nada ser alguém.

Valéria Diniz

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Deslizes

A postagem "DEL" não existe: falha minha; vira e mexe, aperto botões errados no teclado.
O Deslize, sim, ocorreu: a curiosidade sobre Garota de Ipanema encontra-se no livro de Ruy Castro, Chega de Saudade - A História e as Histórias da Bossa Nova (Companhia das Letras, 1990)

Del

Bem-vinda Bendita Dúvida

O pescador pesca,
o artesão molda belezas.
Ambos misturam-se a maravilhas.
O pescador molda a rede,
e lança-a, numa dança, ao mar.
O artesão pesca, na argila, os peixes,
a esperança da vida do pescador.
O pescador constrói a rede, o barco,
o artesão inventa o ver-azul do mar.

Nós, os racionais, nada temos a ver com eles.
Sabemos pouco sobre mares, redes e argila.
Geramos mais são muitas guerras.
Se fôssemos racionais, em verdade,
em verdade, vos diria,
levaríamos em conta todos os que não somos nós.

Mas nossa moral e nossa ética desarrazoadas,
não nos permite nenhum lucidez.
Nos azaramos sem perceber?
Que tipo de racionalidade existe em nós?
Por favor, alguém pode me ajudar a raciocinar?
Não, por Deus, dispenso a ajuda.
Sim, porque não me distancio de vocês.

Furamos o barco.
Não o do pescador inicial.
Massacramos as belas artes do artesão.
Mas ele sabe reinventar o belo (mau pra nós?).

Somos muito inteligentes, ora, vejam,
fazemos muitos não poderem ser,
desconsideramos, de muitos, a própria existência.

Fazer o quê agora? Explodir a Terra?
Culpados, ajoelharmos diante de altares,
pedindo perdão, sacrifícios e penitências a Deus?
Jejuar, não transar, nem um aperto de mãos?
Ensimesmar-se feito bicho velho sem visão?

Como somos velhos e ao mesmo tempo atuais!
Como somos pérfidos sem o saber, aliás,
será verdade essa nossa ignorância?
Bem-vinda, bendita dúvida! Bem-vinda!

Como somos mulas empacadas, lagartas,
recusando-se a virar aladas borboletas coloridas,
protegendo nossos casulos particulares, individuais,
com a certeza infeliz de que nunca rebentarão,
lançando gosmas nojentas e mortas.

Somos presas e caçadores,
cobras corais e colibris,
vagalumes e morcegões,
caranguejeiras negras, peludas,
e abelhas fazendo mel,
geléia real.

Mas os pescadores pescam, moldam e constroem.
E os artesãos moldam, pescam e inventam.
Confundem-se com o extraordinário do mundo.
Temos faca e queijo nas mãos.
Pena não sabermos usá-los.
Pena inventarmos tantos rótulos,
etiquetas e formalidades.

Bem-vinda, bendita dúvida! Bem-vinda!

Valéria Diniz

Curiosidade sobre "Garota de Ipanema"

"Já foi dito, mas as pessoas não se conformam: Tom e Vinícius não fizeram 'Garota de Ipanema' no bar que se chamava Veloso e que hoje se chama Garota de Ipanema, na rua que era Montenegro e que hoje é Vinícius de Moraes, esquina com Prudente de Moraes (nenhum parentesco). Nunca foi do estilo da dupla escrever música em mesas de bares, embora eles tenham investido nelas as melhores horas de suas vidas. Tem compôs meticulosamente a melodia em sua nova casa, na rua Barão da Torre, e seu destino seria uma comédia musical intitulada Blimp, que Vinícius já tinha toda na cabeça, mas que nunca levou ao papel.
Vinícius, por sua vez, escreveu a letra em Petrópolis, como havia feito com a de 'Chega de Saudade', seis anos antes, e ela lhe deu tanto trabalho quanto. Para começar, não nasceu se chamando 'garota de Ipanema', e sim 'menina que Passa' - e toda a sua primeira parte era diferente. Era assim: 'Vinha cansado de tudo/ De tantos caminhos/tão sem poesia/tão sem passarinhos/Com medo da vida/Com medo do amor/Quando na tarde vazia/ Tão linda no espaço/eu vi a menina/Que vinha num passo/Cheia de balanço/Caminho do mar.

Aspirador de Pó Revisionado

Ah!!! Gostaria de poder estar escrevendo algo "célebre"!...Como gostaria!
Nos meus trinta e oito anos, a maior parte deles voltados à sucção de livros, folhetos, propagandas em neon, vibrantes ilusões...tantas canções já cantadas, tantas hoje esquecidas...eu, nos meus trinta e oito anos mortais, desejando ser "célebre"...
Porém, não posso: a sucção foi tanta e tão desesperada em busca do "saber", que tudo me parece, hoje, um saco retirado de um aspirador de pó qualquer,
É preciso jogar fora muitas poeiras rabujentas, persistentes, sim, é necessário, vital.
Mas, às vezes, a gente acaba, sem perceber, deixando escapulir algumas sujeiras valiosas. Basta uma boa olhadela, utilizáveis ainda.
coisas como pequenos pedaços de papéis, com anotações, cujo destino, um dia, vinculamos ao saco de sujeiras do aspirador frenético e que, com mais paciência e perseverança, vemos constituírem-se importantes pedaçinhos de nós mesmos.
E dá para guardar novamente e reconhecer que existe algo ali importante, cujo destino não pode ser a ilusão do esquecer.
Pois é...eu desejava ser "célebre" ao iniciar esta escrita. Cá entre nós (tendo abraçado o redor de uma simpatizante intimidade) estou gostando deste meu aspirador de pó revisionado.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Berrante

De um eco, veio-me. crente, a imagem de um bólido. Eu sonhara com ele.Em um lançar-se retilíneo, imprevisível, captou meu processo de olhar: todo um desenho negro-prateado se formando em meu espaço.
Um, dois planetas. Uma rasgante união entre as massas fincadas do rostos das esferas, hoje, quedadas em meu seio.
Transfigurações em pessoas, cenas etéreas, os olhos piscantes e a sensação de não poder mais ser, pois a diversidade de gentes, ao me verem, incendeiam confusões e fico sendo nenhum alguém. O rastro. Devo retornar-me ao rastro já mal purpúreo, deformado, erodido. Tropeçá-lo em cada resto, pontos, uno formato por desajeitados intentos.
O bólido. Chegar em sua circular carícia, em sua cíclica persona, em seu tempo não cronometrável. Fazê-lo a mim, a ele fazer-me. Dois, sóis, banharmo-nos em acúcares brutos, no céu primor, palato onde, lapidada a voz do canto, tocará minha vida no todo desse ar. Berrante.

Valéria Diniz

quarta-feira, 30 de julho de 2008

A Precisão da Gramática

Só importa ser conhecedor da Gramática para não se deixar escravizar por ela mas, sim, para, consciente e elegantemente, deturpá-la.
Guimarães Rosa que o diga.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Corcovado pra vocês

"Num cantinho um violão
Este amor, uma canção
Prá fazer feliz a quem se ama
Muita calma prá pensar
E ter tempo prá sonhar
Da janela vê-se o Corcovado
O Redentor, que lindo!

Quero a vida sempre assim
Com você perto de mim
Até o apagar da velha chama
E eu que era triste
Descrente deste mundo
Ao encontrar você eu conheci
O que é felicidade
Meu amor."

Antonio Carlos Jobim - 1960
Site: www.tomjobim.com.br

Cigarro por Cantinho - 50 Anos de Bossa nova

"Na preparação de Corcovado, cujos versos iniciais seriam dos mais lembrados e queridos da Bossa Nova pelos trinta anos seguintes, havia uma coisa que incomodava João Gilberto. Ele começava a cantar e parava logo:
Um cigarro e um violão / Este amor, uma canção.
Tentava de novo e não conseguia. Até que se deu conta e disse a Tom (Jobim): Tomzinho, essa coisa de 'um cigarro e um violão'. Não devia ser assim. Cigarro é coisa ruim. Que tal se você mudasse para 'um cantinho, um violão?' Jobim, que fumava perto de três maços por dia, acedeu à sugestão de João Gilberto..."
In "Chega de Saudade - A História e as Histórias da Bossa Nova", de Ruy Castro, Companhia das Letras (1990)

Blasfêmias

Blasfêmias.
Quero escrever blasfêmias sobre toda concatenação harmoniosa, pura e singela. A pureza, se existe, é blasfêmia.
Sinto-me um ronco forte como se tivera tomado xarope pra tosse. Aquele ruim que se come doce depois. O que expectora. Parto: trabalho de pôr pra fora, operação de recebida, sangue de nova vida, expulsão e acolhida. Na retina o mundo. Em fragmentos as lentes de contato.
Se é preciso ficar só pra se viver? Se é preciso trombar-se com e tombar na queda d'um desfiladeiro-precipício euforicamente?
É. A passionalização dos seres e afazeres ilumina a rota torta, a romaria quando chega em encruzilhada. É de lá ou de cá, irmãos? De quem Deus é?
Deus, mistério, chão, sigilo, aliado jamais sussurrado. Convido-me a rezar sempre. Sou um animal despreparado, medroso, mas constantemente associado.
Rotina de vinho, chão e tinta.
Grito. São tantas as palavras que a vontade é de grudá-las umas às outras, grudá-las, grudá-las até formarem uma só: o símbolo dos símbolos, a representação das representações, o à margem do abstrato, o concreto.
Será demasiada obsessão sintética-antitética? Será unicidade á toa, visual pouco pro tanto consumido? E será todo o oposto viagem solitária aos longes-além? Divagantes monólogos?
Falam com quem as palavras? Quem lhes verte? Que voz pontua finalmente ou reticencia?
Rotina de chão, vinho e tina.
Que voz quem???

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Impressões e Expressões

Desconheço meu interlocutor. São vários: meu Passado, sua Reatualização, meu Presente-Processo, meus Futuros-Sonhos. Sou eu mesma, esta minha pessoa que, acredito, sente o que não suporta expressão. Definir destrói riquezas. Meu fim é outro. Meu fim é o seu meio. Por isso permaneço insocializável, impoliticável. Na verdade, não possuo finalidade.
Enquanto você tem prazer na mudança, eu tenho prazer no que a antecede: o processo de, a preparação para. Coleciono antíteses com paixão, assim como você coleciona regras, verdades, leis absolutas na vida.
E sou lúcida o suficiente para estar sempre a um passo do colapso mental. Toda vez em que percebo o grande jogo que é a linguagem, as perfeitas atrizes que são as palavras e a enorme insignificância que somos nós e todas as nossas tentativas de exibição do Real.
Ele sempre se esvai. As palavras, os sons o consomem, ressignificando-o. As idéias que temos das coisas existentes são ressignificações sucessivas.
Reconhece, então, o seu eterno desconhecimento. Perca a pretensão de suas afirmações a favor de suas dúvidas. O duvidar fica mais próximo do Real porque considera a existência de mais de uma resposta.
Não queria eternizar algo. Estas minhas palavras, jogue-as fora se sua intenção for apenas repeti-las mecanicamente. Se não houve um sentimento vital, mesmo que lhe impulsione à discordância, jogue-as fora.
Ressignifique. É seu jeito mais humano de ser.

sábado, 26 de julho de 2008

O Moço e o Menino

O moço não entende,
moço demais pra entender.
Fala seriamente, escreve anotações,
por ser só um menino é tão sério o moço.
Deseja ser homem,
entendo o moço,
carinho tenho por ele.
Deixo-o sentir-se superior.
Deixo-o acreditar em suas teorias todas,
tão dissecadas, cadavéricas, inócuas,
modo curioso de dizer "sou sábio".
Olho o moço menino,
concordo em tudo com ele,
assim não sente tristeza,
assim não abre um berreiro.
Tento vê-lo como o homem que ainda não é,
moço demais para ser.
Intimamente, o moço sabe quase nada deter.
Tem a voz baixa, não suporta meu olhar.
Como me convencer?
Como me fazer acreditar em sua sabedoria?
Pensa conseguir por falar muito,
mas só atravessa minhas palavras
e não vê o momento de despedir-se de mim.
Sabe ser enxergado,
sabe do seu rosto quase imberbe,
de seu desengonçado corpo,
de seu descomposto rosto por trás dos óculos
para parecer menos menino ainda.
Eu o distraio e vou-me embora dizendo obrigada, Doutor.
Ele necessita ser títulos.
Pena. Só queria o menino.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

INFORMAÇÕES IMPORTANTES E AS PULGAS PERGUNTAM

ESTE BLOG TAMBÉM ESTÁ ABERTO - E NÃO CENSURA - À COLOCAÇÕES AMENAS, DISTANTES DAS CHATAS "MASTURBAÇÕES MENTAIS" E DA "PROCURA DE PÊLOS EM OVO." AFIRMADO E CONFIRMADO TAL PACTO, PERGUNTO: QUEM MATOU O MARIDO DE DONATELA FONTINI NA NOVELA "A FAVORITA"? SOU UMA NOVELEIRA CONVICTA E SEM VERGONHA QUE ESTÁ, NO MOMENTO, COM DUAS PULGAS - UMA ATRÁS DE CADA ORELHA - INDAGANDO A MIM E A VOCÊ LEITOR: POR QUE AS PESSOAS CRIAM BLOGS E POR ELES TRANSITAM?

Sobre Álvaro de Campos

Isis, legal que você também gosta de Álvaro de Campos e até do mesmo poema que postei. Tem muita coisa pra pensar ao lermos tal heterônimo do Fernando Pessoa. Queria colocar as que observo. Bem, Álvaro de Campos possui uma forma única de viver. Não fala Sobre o que vê, sobre o que pensa, sobre o que sente, mas É o que vê, É o que pensa, É o que sente. Não fala Sobre as engrenagens das máquinas do mundo moderno, não fala Sobre a eletricidade que as move. É tudo isto: "... Giro dentro das hélices de todos os navios.../Eia! sou o calor mecânico e a eletricidade!/ usa a palavra, a meu ver, destruindo-a como função mediadora entre o homem e o mundo. Não há espaço, não há algum distanciamento entre ele e o mundo. Veja só o que diz: "Sentir tudo de todas as maneiras/Viver tudo de todos os lados/Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo/Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos/Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo." Não se parece com o "tudo ao mesmo tempo agora" dos nossos dias? Incontestavelmete, trata-se de um escritor Universal. Mas Álvaro, ao ser tudo, é nada. Personalidade confundida com o mundo, totalmente desfigurada e vazia. Quantas vezes repete que não sabe quem ele próprio é e nem se algum dia foi e muito menos se será e menos ainda se pôde, algum dia, chamar-se como si mesmo, como possuindo uma personalidade que pudesse sentir e caracterizar e ser? "Eu, este degenerado superior sem arquivos na alma/Sem personalidade com valor declarado/Eu, o investigador das coisas fúteis..." Ou "Sou nada.../sou uma ficção..." Não há dúvida sobre o vazio exposto intensamente e dolorosamente de seu ser. Acho que, atualmente, existem muitos Álvaros de Campos à solta. Estamos num mundo que produz informações com extrema velocidade e, de tão velozes que chegam a nós, também são passageiras. Muitos sofrem e dizem que tal sofrimento é um "vazio por dentro". Não comentarei sobre a saúde mental das pessoas nos dias atuais por não me sentir capaz. Mas não restam dúvidas sobre a existência de muitos quadros psiquiátricos onde o vazio é verdadeiro vilão. Bem, fico por aqui e indico um livro de Fernando Segolin para quem se interessa por Fernando Pessoa: "Fernando Pessoa - Poesia, Transgressão, Utopia" (EDUC, 1992)

quarta-feira, 23 de julho de 2008

" Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca,propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente "

Fernando Pessoa - Álvaro de Campos - Agosto de 1913

Pescamento

Não se mexa.
Não tente algum movimento.
Peixes nadam em seus riachos.
"...Mire e Veja..."

obs.: entre aspas, Guimarães Rosa em "Grande Sertão: Veredas". Riobaldo firma e confirma.
Não encrenques com as orações invertidas...
Ao espelho, a imagem tua também o é.
Doeu demais?
Sorrio.

Instantes

Instantes não findam,
religam-se a outros.
frágeis, discretos nós,
invisíveis quase
sentidos teimosos da vida.
Não evaporam os instantes
tal qual pessoas num só repente.
Re-significam sempre.
Não perecem nem mentem
como o destronado rei vivente
em minha barriga.